Por ser um setor de longa cadeia produtiva, envolvendo diversos segmentos como os de peças, plásticos, vidros e eletrônicos, deve gerar implicações para outras atividades industriais e também para a área de serviços. Haverá impacto no Produto Interno Bruto (PIB), embora os economistas ainda não consigam avaliar a dimensão.
O resultado em setembro foi o pior para o mês desde 2005, com vendas de 155 mil automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. O volume é 25,3% menor que o de igual mês de 2020 e 10,2% inferior ao de agosto passado. No acumulado do ano foram vendidos 1,57 milhão de veículos, 14,8% superior ao resultado de 2020, que foi um dos piores anos da história do setor por causa dos efeitos da pandemia de coronavírus.
“Estamos diante de muitas incertezas e da maior crise de abastecimento de veículos já vivida nos últimos anos”, disse o presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), Alarico Assumpção Júnior.
A entidade refez suas expectativas de vendas pela terceira vez no ano e prevê agora um mercado total de 2,15 milhões de veículos, 230 mil a menos do que projetava em janeiro. O crescimento de 16% em relação a 2020 foi reduzido para 4,8%, puxado especialmente pelo segmento de automóveis, o mais atingido pela falta de semicondutores e o único que deve registrar queda em vendas no ano.
Segundo Assumpção, o atual momento “possivelmente é o ponto mais crítico da crise de abastecimento” de peças.
Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), avalia que, por ser um setor de irradiação em diversos setores, o desempenho da indústria automobilística está colocando mais areia como obstáculo para o dinamismo industrial nos próximos meses. “Há um impacto significativo nas atividades industriais e econômicas de forma geral”, diz.
Os automóveis de maior venda no momento chegam a ter fila de espera de até quatro meses, dependendo da versão. Com frequência há paradas de produção, mesmo que alternadas entre as fabricantes, por falta de chips e outros itens importados principalmente da Ásia.
Na opinião de Cagnin, há muitos obstáculos do lado da oferta de produtos – em razão também da dificuldade logística, como falta de navios e de contêineres para o transporte -, mas ele começa a ver também um arrefecimento na demanda. Entre os motivos citados estão a alta dos preços dos carros e também dos combustíveis.
“O consumo de um carro, que é um bem de consumo durável, pode ser adiado por mais um pouco, inclusive com esse ambiente ainda misto de trabalho remoto e no escritório”, diz. Para ele, essa situação específica não é tão ruim pois ajuda, inclusive, a não deixar o gargalo da oferta ainda mais profundo.
O economista do Iedi acredita que a transformação da cadeia automotiva globalmente pode fazer com que o setor retorne ao que era antes das crises de 2014 a 2016 e da atual. “Dificilmente o setor vai voltar aos níveis de seis anos atrás, porque há uma mudança no mundo inteiro por causa de toda a reorganização está ocorrendo.”
Demanda
O coordenador dos cursos da área automotiva da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Antônio Jorge Martins, acredita que o crescimento interanual verificado até o momento nas vendas está relacionado ao fato de as fábricas terem ficado fechadas em média por três meses do no passado, o que gerou falta de carros novos e demanda reprimida.
As paralisações atuais, em razão da escassez de componentes, são mais pontuais e não ocorrem em todas as fábricas de uma vez. A Toyota, por exemplo, vai abrir um terceiro turno de trabalho em uma de suas fábricas em novembro. Também há o aumento significativo na venda de veículos usados, o que demonstra que há demanda. “Se não fosse a falta de semicondutores, é bem possível que as projeções feitas no início do ano se confirmariam”, afirma.
Por outro lado, ele avalia que a demanda no próximo ano pode arrefecer em razão do aumento dos preços dos carros que não acompanham o poder de consumo da sociedade.
Martins acredita, contudo, que as fabricantes têm condições de substituir eventuais perdas nas vendas com a prestação de serviços, que vem crescendo entre todas as marcas. “O serviço de assinatura de veículos (locação de longo prazo) pode ser uma alternativa”, diz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.