Por Pablo Alencar*
A primeira vez que me deparei com a seguinte pergunta foi em uma prova de economia na faculdade: explique os motivos do recrudescimento da inflação em meados da década de 80 e os impactos no Plano Cruzado. Havia somente essa questão dissertativa.
Não demorou cinco segundos para que um dos alunos levantasse a mão e fizesse a pergunta de um milhão de dólares: professor, o que é recrudescimento?
A resposta, talvez uma das mais ouvidas pelos alunos ao longo dos anos de formação escolar/acadêmica, foi a de que a interpretação da pergunta faz parte da prova.
Meu pai sempre me forçou a ler muito. Ele diz até hoje que, além de ser uma excelente fonte de aprendizado, a leitura ajuda a construir um vocabulário mais amplo. Confesso que, mesmo tendo lido as 1.460 páginas do livro “A Lanterna na Popa”, de Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central, jamais tinha ouvido falar dessa palavra.
No entanto, como bom aluno que sempre fui, sabia bem o contexto da época e consegui passar por essa prova.
1886. Uma nova moeda à vista. Uma inimiga a ser combatida.
No caso dessa questão em particular, o ano era 1986. O presidente Sarney implementou, em fevereiro, um plano de combate à inflação que ficou conhecido como Plano Cruzado – nova moeda que substituiu o Cruzeiro.
Este plano surgiu como uma esperança para a população brasileira que, na época, se defrontava com uma trajetória ascendente da inflação. Pasmem, a inflação havia atingido uma taxa anual de 517% nos meses de janeiro e fevereiro daquele ano.
Nove meses depois, o Plano havia fracassado e os brasileiros viviam o tal Recrudescimento da Inflação, como podemos ver no gráfico abaixo:
Agora ficou fácil: recrudescer significa surgir com mais intensidade. Foi justamente o que aconteceu com a inflação entre 1986 e 1987. Apesar de estar sob controle, hoje, também voltou-se a falar em inflação no Brasil, agravado pela curva de mortes do Covid-19.
Vejam o gráfico abaixo com a média móvel de mortes:
É razoável uma injeção de realidade
O Brasileiro tem por característica ser otimista. Vimos o número de mortes cair e achamos que o problema estava resolvido. Esse otimismo quase sempre nos deixa cego e impossibilitados de fazer uma análise mais racional, a fim de que tomemos as melhores atitudes. Para isso, é razoável uma injeção de realidade.
O vale da curva do Covid foi em novembro de 2020. Logo na sequência tivemos a fase das festas de final de ano, férias de verão e Carnaval. Ou seja, fato de uma notícia anunciada: era sabida a intensificação das aglomerações.
Com a queda nos casos, criou-se um sentimento de “o pior já passou” e, com isso, veio o relaxamento: deixar de usar máscara, não usar o álcool em gel como no início da pandemia etc.
O Brasil agiu muito mal na negociação de compra de vacinas, retardando o programa de imunização. Somado esses descuidos não havia outro caminho que não a volta das mortes com uma intensidade bem superior ao que já vimos até agora.
Os institutos responsáveis pela vacinação já preveem até uma terceira onda de contágios.
Com esse cenário as medidas restritivas tendem a ser bem piores para a economia do que foram no passado recente. Além disso, vão pegar uma população bem mais fragilizada sem ter estrutura mínima para aguentar uma possível terceira onda.
Uma lição final
O problema de um recrudescimento é a desconfiança das pessoas em relação às soluções adotadas. Assim, temos de fazer diferente do que foi feito anteriormente se desejarmos outro resultado.
No caso do Plano Cruzado, a solução adotada consistia em um choque heterodoxo da economia por meio da introdução de uma nova moeda e o congelamento de salários e preços.
Por outro viés, o Plano Real escolheu o caminho da superindexação pela URV, que se transformaria no Real: nova moeda brasileira, a partir de julho de 1994.
Sobre a pandemia, quais serão as novas ações a serem tomadas? Teremos novas? Ou nossos Gestores tentarão novamente repetir o que foi feito? Repetindo a fórmula passada terão adesão popular?
Perguntas difíceis de serem respondidas. Contudo, há uma boa lição que podemos tirar disso tudo: as pessoas que conseguem fazer boa leitura do cenário, focando nos fatos e deixando de lado o pensamento emocional, sempre conseguirão passar bem melhor pelas crises.
*Pablo Alencar, CFP® – Head da VCS (Valor Capital e Seguros).
Tem alguma dúvida ou sugestão? Envie um e-mail para pablo.alencar@valorcapital.com.br