Análise e Opinião

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Lula ou Dilma 2.0?

Por
Fabrício Lima

O final dessa última semana foi marcado por questionamentos quanto à estabilidade fiscal em virtude do aceno por mais gastos públicos com programas sociais, o que acabou gerando muita preocupação no mercado. E não faltaram “memes” para expressar essa reação:

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Tudo isso foi reflexo do discurso do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do texto da PEC de transição que ficou pronto com valor de R$ 175 bilhões.

O discurso

Lula defendeu que é preciso “mudar alguns conceitos neste país”, considerando como investimentos alguns recursos que hoje são vistos como gastos. Esses são os trechos que mais repercutiram:

– ”Por que toda hora as pessoas falam ‘é preciso cortar gasto, é preciso fazer superávit, é preciso fazer teto de gastos’? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gastos não discutem a questão social deste país? Por que o povo pobre não está na planilha da discussão da macroeconomia? Por que a gente tem meta de inflação e não tem meta de crescimento? Por que não estabelecemos um novo paradigma de funcionamento deste país?”

– “Por que as pessoas são obrigadas a sofrer para garantir a tal da responsabilidade fiscal deste país? Por que toda hora falam que é preciso cortar gastos, é preciso fazer superávit, é preciso cumprir teto de gastos?”

– “A única razão que tenho de voltar a exercer o cargo de presidente é tentar restabelecer a dignidade do nosso povo. E a prioridade zero, outra vez, o mesmo discurso que disse em dezembro de 2002, não tenho que mudar uma única palavra: se, quando eu terminar esse mandato, cada brasileiro tiver tomando café, almoçando e jantando outra vez, eu terei cumprido a missão da minha vida”, disse emocionado.

– “Não é possível que se tenha cortado o dinheiro da Farmácia Popular em nome de que é preciso cumprir a meta fiscal. Cumprir a regra de ouro. Sabe qual é a regra de ouro deste país? É garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e acorde sem ter um pão com manteiga para comer todo dia. Essa é a nossa regra de ouro. É um compromisso em fazer com que esse país maravilhoso tenha o povo voltando a sorrir”, disse.

Após reação negativa de investidores ao seu discurso da manhã do dia 10, ao deixar as instalações do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), comentou aos jornalistas: “Por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? (…) O mercado fica nervoso à toa, nunca vi um mercado tão sensível quanto o nosso. Engraçado que esse mercado não ficou nervoso com quatro anos do Bolsonaro”.

O que pensam grandes gestores de fundos de investimentos?

De acordo com Luis Stuhlberger, gestor do fundo multimercado Verde, “está todo mundo chocado porque esperava um Lula moderado”. O governo que parecia ser de coalizão, com uma política econômica de centro, agora tem cara de ser uma reedição do governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

“Estão começando a fazer uma coisa meio maluca, um pacote fiscal sem um ministro da Fazenda, seria o mesmo que uma empresa fazer orçamento sem CFO”, disse o outro sócio, Parreiras. “As decisões estão sendo tomadas por um grupo de políticos como [Aloizio] Mercadante, Gleisi [Hoffmann], e a gente sabe o legado que deixaram da nova matriz econômica que foi o desastre dos dois mandatos de Dilma. […] “A política está sem âncora da realidade, está à mercê do desejo de todo mundo e o mercado está punindo, pedindo mais prêmio, a bolsa cai, o dólar sobe.”

“Historicamente, Lula mostrou que sabe escutar os dois lados e está recebendo um recado. Ele vai ouvir? Ninguém sabe, não tem ministro”, reiterou Parreiras. “É complicado fazer tanta bobagem tão rápido”, acrescentado que pode haver um certo exagero. Em algum momento o Brasil fica barato de novo, “mas precisam parar de fazer bobagem”.

O fato de o Banco Central ser independente é uma ajuda inegável, disse Parreiras, porque “pelo menos um pedaço do barco tem piloto. O outro não tem, e tem um manicômio dirigindo”. As preocupações fiscais certamente serão levadas em conta pela equipe do presidente Roberto Campos Neto.

A incerteza já fez o mercado rever o tamanho do corte esperado para a Selic em 18 meses. Há uma semana, eram 400 pontos, caindo a 200 pontos nos últimos quatro dias. “O Banco Central vai ter que falar duro. Uma das premissas usadas no passado para investir no Brasil está voltando, de fiscal frouxo com aperto monetário. Um motor vai para frente e o outro puxa, senão explode”, afirmou o gestor.

Este é um modelo econômico que tem as suas consequências, continuou Parreiras. A estrutura de juros futuros fica estável com a taxa de curto prazo elevada e a moeda sempre valorizada. Nesse ambiente, outros investimentos que competem com o CDI perdem apelo, o mundo é bom para os “incumbentes e ruim para o disruptor, que vê o custo de capital na lua.

O Brasil de 2004 é diferente do Brasil de 2022. Naquela época, ele crescia muito e a arrecadação aumentava mais que o PIB. “Houve um momento em que o Brasil capturou coisas que não tinha, o ‘boom’ de crédito, a formalização do emprego, o boom de commodities. Ao incrementar despesas em 6,5% ao ano, em sete dos oito anos de governo, foram R$ 200 bilhões de gasto real todos os anos […] Só que as condições que o governo Lula vai encontrar agora são bem diferentes de quando herdou a presidência de Fernando Henrique Cardoso, com um superávit primário acima de 4% do PIB. O plano de governo de Lula é um déficit de R$ 200 bilhões. A sorte é que vai entrar nisso com uma relação dívida/PIB de 75% “, prosseguiu Stuhlberger.

Algumas pessoas têm dito a interlocutores do PT para observar o que aconteceu no Reino Unido neste ano, quando o governo mostrou disposição para gastar e os investidores não perdoaram. “Acho que entre hoje e 1 de janeiro [quando Lula assume] é um longo tempo, talvez seja uma medida cosmética, em vez de R$ 200 bilhões [de déficit] vão ser R$ 170 bilhões.”

Como o mercado reagiu?

As declarações foram interpretadas por agentes econômicos como uma intenção maior do novo governo em gastar e de relativizar o quadro de restrição fiscal enfrentado pelo país. Na prática, isso gera uma percepção maior de risco, o que pressiona o dólar e a inflação. Como resultado, os juros futuros sobem e o mercado de ações é penalizado.

A última quinta-feira 10, permanecerá na história como o “Boa Sorte Day”. Um dia marcado pela destruição de R$ 100 milhões em valor de mercado e pela alta súbita do dólar, que chegou a beirar os R$ 5,40. Com isso, o Ibovespa encerrou a quinta-feira (10) em queda de 3,35%, a 109.775 pontos.

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No mercado de juros futuros, os investidores voltaram a embutir prêmio de risco fiscal ao longo de toda a curva e as taxas dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DIs) dispararam.

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Esse cenário de estresse é reflexo da preocupação dos investidores com a situação fiscal do país, em meio às discussões sobre a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que crie um “waiver” (uma licença para gastar fora do teto) para acomodar despesas para o Bolsa Família de R$ 600,00, um reajuste real do salário-mínimo e outras promessas de campanha de Lula.

“Boa sorte Day”

O ex-ministro Henrique Meirelles e Elena Landau, assessora econômica da candidatura de Simone Tebet (MDB) à Presidência da República, reagiram com críticas ácidas ao discurso feito pela manhã pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e aos novos nomes anunciados para a equipe de transição. Meirelles foi presidente do Banco Central nos dois primeiros mandatos de Lula e vinha se colocando à disposição de Lula, mas ficou de fora da equipe anunciada.

“O Lula estava fechado, não dizia nada, não queria desagradar ninguém. Hoje começou a falar, começou a sinalizar uma direção à Dilma (…) Estou mais pessimista, não tenha dúvida”, disse Meirelles em um evento fechado em São Paulo, segundo relatos de quem participou. Mais tarde, depois que suas declarações foram publicadas na imprensa, ele disse que ainda é muito cedo para projetar como será o governo eleito e que é preciso esperar as próximas sinalizações de Lula.

No evento, Meirelles teria dito à plateia: “Só posso dizer uma coisa a vocês: boa sorte”. Foi o suficiente para que as fortes oscilações de preços dos ativos observada nesta quinta-feira, com o Ibovespa caindo 3,35% e o dólar subindo 4,14%, fosse apelidado por algumas pessoas do mercado como “Boa Sorte Day”.

O discurso de Lula não combina com Meirelles. A indicação do ex-ministro Guido Mantega para um dos grupos da transição agravou o mau humor entre os participantes do mercado. Infelizmente, A perspectiva de que um ministro técnico, com um perfil mais ortodoxo, venha a assumir o comando da economia vai perdendo força.

Apesar das recentes altas, comprar títulos pré-fixados não parece uma boa escolha no momento. Por que apostar na queda dos juros se todos os sinais indicam o contrário? Caso essas sinalizações se confirmem, os juros tem que subir e o Banco Central (BC) tem mandato independente e autonomia para fazer isso. Esta será a primeira transição com o BC independente e Roberto Campos, presidente da autoridade monetária, disse querer trabalhar com o novo governo da melhor forma possível.

Disse também que ainda não teve muito contato com a equipe de transição e que tem conversado com o economista Persio Arida. Segundo Campos, “BC vai estar aberto a discutir com o governo novo sempre entendendo que não fazemos fiscal. É importante uma sincronização, mas é cedo da minha parte falar. Nesse período de transição é normal que tenha ruído. Tenho conversado com algumas pessoas, mas ainda muito incipiente”, ressaltou.

A PEC da Transição

De acordo com o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), Marcelo Castro (MDB-PI), R$ 105 bilhões já estavam previstos no Orçamento para um auxílio de R$ 400. Para garantir o pagamento de R$ 600 reais e adicional de R$ 150 por criança menor de seis anos seriam necessários mais R$ 70 bilhões. Castro não confirmou se a retirada dos gastos sociais do teto será permanente.

De acordo com o senador petista Wellington Dias, designado Lula para coordenar diálogos em torno do Orçamento para 2023, apesar de discordâncias em torno do texto final, os parlamentares concordam com as duas grandes metas da PEC: “colocar o povo e, especialmente, o povo mais pobre, no Orçamento, e também garantir capacidade de investimentos para ajudar no crescimento econômico, criando um ambiente de confiança para mais investimentos privados do que já é previsto e gerar mais emprego e mais renda”.

O articulador de Lula diz que o “esforço é para o máximo de entendimento com a Câmara e Senado”, no sentido de apresentar uma proposta que possa ser aprovada rapidamente, sem ficar sendo alterada de uma Casa para a outra.

Ao final, os líderes partidários pediram mais tempo para analisar a PEC da Transição.

O relator do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), informou que o objetivo do novo governo é excepcionalizar de forma permanente do teto de gastos não apenas todo o Auxílio Brasil (Bolsa Família), além de 2% de toda a receita extraordinária que entrar nos cofres da União.

Caso a PEC seja aprovada, a abertura no orçamento permitirá atender a promessas de campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Entre as prioridades, estão ações nas pastas da Saúde e Educação, além da retomada do reajuste do salário-mínimo observando a inflação e o crescimento do PIB.

Um alívio da ressaca do dia seguinte

Na 6-feira, dia 11, o Ibovespa acabou subindo em virtude da redução das restrições na China (afrouxamento da política Covid-zero), da desaceleração da inflação (CPI) nos EUA e do adiamento da PEC da Transição. Apesar disso, a semana ainda encerra com queda de -5,0% a 112.253 pontos e alta no dólar de +5,33%, cotado a 5,32 reais.

Conclusão

Precisamos sair de “a garantia sou eu” que o Lula está tentando emplacar quando ele diz “eu já governei e tive responsabilidade fiscal” e ter mais clareza quanto ao nome do guardião do cofre da Fazenda. E também precisamos de um número: qual será o tamanho do “waiver”? Dessa vez, não dá para pagar a conta só com o gogó.

O Lula de 2022 é o mesmo Lula de 2002. Ele continua acreditando no governo como indutor do crescimento. Os gastos vão aumentar, subsidiados também por maiores taxações e os juros devem permanecer altos por mais tempo – pelo menos pelos próximos dois anos do Roberto Campos como presidente do Banco Central.

Em nota, o senador eleito Wellington Dias (PT-PI) afirmou que o texto final da PEC da Transição será apresentado na próxima quarta-feira (16). Vamos acompanhar.

Fabrício de Lima, sócio e assessor de investimentos na Valor. Especialista em Investimentos e Private Banking (IBMEC). MBA em Gestão e Engenharia da Qualidade (USP). Engenheiro (UFV) e empresário.

Este artigo foi elaborado com alguns trechos retirados na íntegra dos artigos mencionados abaixo.

Fontes

https://www.infomoney.com.br/politica/mercado-fica-nervoso-a-toa-diz-lula-apos-forte-queda-da-bolsa-e-disparada-do-dolar/

https://www.infomoney.com.br/politica/meirelles-e-landau-fazem-criticas-acidas-a-declaracoes-de-lula/

https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/11/10/dlar-e-juros-vo-s-mximas-e-ibovespa-cai-mais-de-3-pontos-percentuais-durante-discurso-de-lula.ghtml

https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/11/10/discurso-de-lula-nao-combina-com-meirelles-e-chance-de-um-ministro-da-economia-tecnico-perde-forca-diz-mag-investimentos.ghtml

https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/11/11/e-a-1a-transicao-com-bc-independente-queremos-trabalhar-com-o-novo-governo-da-melhor-forma-possivel-diz-campos.ghtml

https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/11/11/lula-mostra-rapida-virada-de-chave-do-discurso-a-pratica-diz-verde.ghtml

https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/11/10/texto-da-pec-da-transicao-fica-pronto-nesta-quinta-feira-com-valor-de-r-175-bilhoes-diz-marcelo-castro.ghtml

https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/11/11/senadores-pediram-mais-tempo-para-analisar-pec-da-transicao-diz-randolfe.ghtml

https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/11/11/ibovespa-salta-com-reducao-de-restricoes-na-china-e-adiamento-da-pec-da-transicao.ghtml

https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/11/11/dolar-acentua-queda-e-ibovespa-acelera-ganhos-com-possivel-adiamento-da-pec-da-transicao.ghtml

 

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Este artigo tem como objetivo democratizar o acesso à educação financeira e foi elaborado por Fabrício de Lima, sócio e assessor de investimentos na Valor, especialista em Investimentos e Private Banking (IBMEC) com MBA em Gestão e Engenharia da Qualidade (USP). É engenheiro (UFV) e empresário.

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