A corrida do varejo online e das indústrias de bens de consumo para entregar rapidamente seus produtos ao consumidor tem provocado uma disputa acirrada por espaços de armazenagem na cidade de São Paulo, o principal mercado do País. Por conta disso, espaços como estacionamentos ociosos ou fábricas abandonadas, por exemplo, têm se transformado em depósitos para atender especificamente ao e-commerce.
A maior procura por áreas vagas vai do miolo da capital paulista até áreas a 30 km do centro. Nessas regiões, faltam terrenos para erguer condomínios logísticos e imóveis adequados para serem transformados em galpões “last mile” (última milha), no jargão do mercado de logística. Esses armazéns servem como ponto de apoio para o despacho final das mercadorias, a parte mais onerosa das entregas.
A escassez de terrenos para a instalação de novos empreendimentos logísticos levou o mercado imobiliário a um estado de ebulição. Os reflexos aparecem na alta dos aluguéis dos galpões, na queda da vacância e também na adaptação de imóveis vagos para virarem armazéns.
Não é raro hoje encontrar galpões logísticos em áreas onde até pouco tempo atrás funcionavam indústrias. Um exemplo dessa transformação foi a compra da fábrica de trens da Alstom, na Lapa, bairro da zona Oeste da cidade, pela GoodStorage. Com a ida da empresa francesa para Taubaté (SP), ficou vago um terreno de 80 mil metros quadrados, com 65 mil metros quadrados de galpões.
“Estamos reformando esses galpões, que vão dar origem a um parque logístico no coração da Lapa”, conta Thiago Cordeiro, CEO da GoodStorage. O empreendimento começa a funcionar em fevereiro e já tem uma parte pré-locada.
A empresa, que começou em 2013 como um guarda-móveis, hoje se posiciona como uma companhia de logística urbana, incluindo tanto a armazenagem para pessoas físicas (selfestorage) como para empresas. Tem sete parques logísticos urbanos, que somam uma área de 150 mil metros quadrados e investimentos de US$ 150 milhões. Quatro já estão em operação, com 90% de ocupação. Todos os condomínios estão para dentro das Marginais e têm localização estratégica para atender entregas rápidas.
De olho nesse novo filão, a armazenagem urbana, a Unlog, que há dois anos começou como uma espécie de “airbnb” de vagas de estacionamentos, foi outra que mudou de posicionamento.
Diante da baixa rentabilidade do aluguel de vagas de estacionamento, o foco da empresa passou a ser criar infraestrutura de armazenagem para o abastecimento de varejo tradicional, do e-commerce e da indústria. Foram abertos pequenos galpões urbanos de armazenagem, com 200 a 1 mil metros quadrados, espalhados por bairros dentro de grandes cidades.
“Miramos numa formiguinha e acertamos num elefante”, afirma Michele D’Ippolito, sócio-diretor. Com a mudança, a empresa conseguiu conquistar clientes importantes, como Ambev, Mercado Livre, Americanas e outras gigantes, interessadas em locar hubs de armazenagem.
O empresário explica que “granularização” da armazenagem dentro dos grandes centros é a nova tendência da logística para agilizar as entregas. Com isso, passaram a ser aproveitados espaços mais variados: de lojas desativadas a galpões e também parte de estacionamentos ociosos. “Somos bem ecléticos e o nosso modelo é bem híbrido”, diz. Ao aproveitar espaços tão diversos para armazenagem, ele frisa que não se trata de improvisação.
Na rua 25 de Março, importante polo de comércio popular no centro da capital, por exemplo, a empresa ocupa parte de um estacionamento. A área alugada foi transformada em ponto de armazenagem em contêineres e também é aproveitada para o transbordo e retirada de mercadorias.
Na Vila Olímpia, zona Sul da cidade, a companhia tem uma área de armazenagem de 400 metros quadrados, dividida em pequenos hubs logísticos. Eles são alugados pelo varejo online, como Amaro, Riachuelo, e empresas como a Infracommerce, voltada para a parte de implementação de e-commerce para as indústrias. Aliás, indústrias de bens de consumo, como Philip Morris e Canon, que estão na unidade da Vila Olímpia, são os principais clientes dos hubs urbanos da companhia.
“Para a gente, a pandemia foi mágica”, afirma o empresário, que no meio da covid-19 viu o seu o negócio dar um salto. “Em 2021, crescemos o faturamento em 1.600%.” O negócio deu tão certo que foi criada uma divisão específica de armazéns, batizada de Undock. Neste ano, a empresa continua em ritmo acelerado, mas ele não revela quanto está crescendo.
De grandes terrenos a ‘terreninhos’
Para atender o mercado de entregas rápidas, o sócio-diretor da consultoria imobiliária Binswanger Brazil, Nilton Molina Neto, diz que empresas de desenvolvimento imobiliário têm buscado não só grandes terrenos na Região Metropolitana de São Paulo para erguer condomínios logísticos, mas também “terreninhos” menores, com 5 mil a 10 mil metros quadrados, para montar operações específicas de logística dentro da cidade de São Paulo.
A tendência é confirmada por Simone Santos, presidente da SDS Properties, imobiliária especializada em galpões, e coordenadora do Comitê de Real Estate da Associação Brasileira de Logística (Abralog). Na sua empresa, há demandas diárias por pelo menos 1 mil metros quadrados de galpões dentro da cidade de São Paulo. “No entanto, não existe infraestrutura suficientemente adequada para suprir essa demanda.” Os principais interessados são os e-commerces, mas também há fabricantes de bebidas, cigarros, produtos farmacêuticos.
Marina Cury, CEO da Newmark no Brasil, consultoria do setor imobiliário, conta que existe uma demanda gigantesca por áreas logísticas, especialmente as que ficam até 15 quilômetros do centro de São Paulo. Quem procura são desenvolvedores de logística e empresas que querem alugar galpões. “É um casamento quase perfeito”, afirma, não fosse a falta de oferta.
Vacância em baixa e aluguel em alta
Por causa da oferta apertada de galpões, a vacância está pressionada. No segundo trimestre deste ano, por exemplo, o espaço vago nos galpões em condomínios logísticos localizados num raio de até 30 quilômetros do centro de São Paulo era de 8,7%, enquanto, no restante do Estado de São Paulo, a vacância média atingia quase o dobro (17,2%), aponta pesquisa da Binswanger.
A mínima histórica de espaços vazios nos galpões mais próximos da capital, de 5,5%, foi registrada no terceiro trimestre de 2021. Por causa das entregas de novos condomínios logísticos, houve um alívio. “Mas 8,7% é uma vacância muito baixa”, afirma Molina Neto. O equilíbrio de mercado ocorre quando a ociosidade dos galpões oscila entre 13% e 15%.
A falta de galpões para locação é ainda mais crítica nos empreendimentos mais próximos do centro, até 20 quilômetros da Praça da Sé, o marco zero da capital paulista. Entre abril e junho, a vacância dos galpões logísticos nessas áreas estava em 1,7%, de acordo com a Newmark. É menos da metade da ociosidade registrada no primeiro trimestre (4,08%).
Ao que tudo indica, o aperto deve continuar. Nas contas de Mariana Hanania, diretora de pesquisa da Newmark, está prevista a entrega de 94 mil m² de novos galpões na capital até o final deste ano. Para 2023, serão mais 78,7 mil metros quadrados. “Um inquilino só poderá levar todo esse novo espaço”, alerta. Por isso, a perspectiva é de que o estoque de galpões na capital, atualmente de 600 mil metros quadrados, continue insuficiente.
Outro termômetro do aquecimento é comportamento do aluguel de galpões em condomínios logísticos até 30 quilômetros do centro. O valor pedido tem crescido a cada trimestre desde o início de 2021. Chegou a R$ 27 por metro quadrado no segundo trimestre deste ano, com alta de 28% nos últimos 12 meses, aponta a Binswanger. Foi um avanço bem mais expressivo do que o registrado para a média das demais áreas do Estado de São Paulo, que subiu 11% no mesmo período.
Mudança de perfil
A grande procura por áreas de armazenagem na cidade de São Paulo para garantir entregas em questão de horas começa também a mudar o perfil de algumas regiões. Simone, da Abralog, observa que em regiões onde o zoneamento é mais restritivo para o uso residencial, isto é, na Zona Predominantemente Industrial (ZPI), há imóveis sendo aproveitados para uso logístico. Até são permitidos nessas zonas empreendimentos residenciais, mas normalmente para baixa renda. Por conta disso, a disputa de grandes incorporadoras imobiliárias por terrenos é bem menor e a pressão sobre custos menos intensa, o que acaba viabilizando a implantação de galpões logísticos nesses zonas da cidade.
Mas essa não era a lógica que vigorava no passado. Segundo consultores, o destino de um grande terreno ou de um galpão industrial vago na capital paulista era virar prédio residencial, de escritórios ou shopping center. A logística não estava no radar para o aproveitamento dessas áreas, porque a maioria das empresas não tinha e-commerce. Outro obstáculo é que o uso para logística não fechava a conta, não era rentável, aponta Molina Neto.
Hoje, porém, depois de toda a aceleração nas vendas digitais provocada pela pandemia, a logística ganhou relevância para os empreendedores imobiliários e a conta começa a fechar. Uma reflexo desse movimento já apareceu na rentabilidade. Nos últimos 12 meses, fundos imobiliários com papéis atrelados a empreendimentos logísticos pagaram, em média, dividendos anuais de 8,64% , enquanto os fundos de lajes corporativas tiveram rentabilidade menor, de 7,88% em igual período.
O plano da GoodStorage, segundo Cordeiro, é em cinco anos ter 500 mil metros quadrados de galpões logísticos na cidade de São Paulo. Para isso, serão investidos mais US$ 250 milhões. “A despeito do juro alto não ser favorável ao investimento imobiliário, continuaremos investindo e bastante, porque há carência de infraestrutura.”
D’Ippolito, diz que a meta da Undock é ter 700 unidades em seis anos. Hoje, são 28 unidades que somam cerca 20 mil metros quadrados de área de armazenagem. Elas estão distribuídas em mais de 20 cidades, acima de 300 mil habitantes, espalhadas pelo País. São Paulo responde pela maior parte da área total, entre a 3 mil a 4 mil metros quadrados.
A próxima fronteira a ser explorada para a armazenagem é o “pré-sal”, brinca o empresário. São as áreas subterrâneas das grandes cidades que estão ociosas e necessitam de muita tecnologia para serem exploradas. “Esse é o próximo passo que a gente enxerga como sendo o metro quadrado com grande potencial de ser ressignificado para a logística.”
Procurada, a Americanas S/A informou, por meio de comunicado, que “dispõe de mais de 200 hubs em localização estratégica para potencializar o foco na entrega cada vez mais rápida ao cliente. Além disso, as 1.800 lojas funcionam também como hubs”.
A Loggi, por meio de sua assessoria, informou que “as suas instalações nos centros urbanos fazem parte da nossa estratégia para conectar o Brasil, garantindo que todas as pessoas tenham acesso a uma entrega rápida e eficaz. Nesse sentido, a empresa já ocupou diversos espaços, seja de forma temporária ou permanentemente”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.