Por Thiago Goulart – Editor do Blog Valor Educação
O termo ‘japonização’ entrou em voga no passado, principalmente entre os economistas europeus. A palavra traz muitos significados, mas a principal delas leva em conta a combinação de quatro fatores que parecem estar se arrastando, ao longo do tempo, tanto na Europa, quanto em nações de economias similares. São eles:
. A evolução lenta do Produto Interno Bruto (PIB);
. Juros baixos;
. Inflação baixa;
. Envelhecimento populacional.
Essa peculiaridade econômica tem perdurado no Japão há quase 30 anos. A partir da década de 90, o país nipônico vivenciou um período de recessão e contração econômica, com encolhimento do PIB, redução da massa salarial e consequente queda do consumo interno, além de uma persistente deflação.
Algumas medidas, intituladas como Abenomics, implementadas pelo atual primeiro-ministro Shinzo Abe, desde 2012, têm surtido relativo sucesso. Todavia, o Japão ainda encontra-se amarrado aos quatro fatores mencionados acima.
A promessa de políticas como a desregulamentação dos mercados (finanças, bens, trabalho), privatização de empresas, reforma fiscal, mudanças nas relações industriais e redução do setor público estão imbricadas em um contexto de crescente dívida pública – 238% do PIB, em 2018, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Mas, quais são as possíveis causas dos juros baixos que estão se alastrando nas nações desenvolvidas?
Especulações em torno do enigma econômico
Não só no Japão, mas também na Suíça, Dinamarca e zona do euro, os juros nominais (mesmo somados à inflação) estão negativos. Em países como o Reino Unido a taxa real (descontada a inflação) também está no vermelho.
Daí compreende-se que a queda constante dos juros nas nações desenvolvidas tem se tornado um dos enigmas econômicos.
Em tese, essa seria uma excelente notícia, pois os juros em plena queda deveria acelerar a atividade econômica. No entanto, na prática, não é o que tem ocorrido.
Boa parte dos mercados maduros tem andado de lado, contribuindo para acentuar algumas tensões políticas, ou seja, o status quo tornou-se uma fonte ativa de inquietações.
As explicações para a persistência de juros baixos no mundo rico indicam que a economia global está em transformação.
As sociedades, dadas pelas incertezas do futuro, estão sendo levadas, a poupar ao invés de gastar ou investir. É essa relação entre poupança e investimento que define o tamanho do juro.
Nesse sentido, quando o pêndulo da balança tende para o lado da poupança, as taxas caem. Por outro lado, se há gastança, elas sobem. Hoje, a princípio, vivemos numa era poupadora e o medo do futuro figura no cenário sócio-político-econômico.
Podemos ir atrás de algumas pistas, de forma breve, na tentativa de desenredar o enigma dos juros baixos. Segue abaixo, algumas delas.
Demografia
A demografia é uma das forças que estaria jogando os juros no chão. Por exemplo, no início do século 19, em nenhum país do planeta a expectativa de vida alcançava 40 anos. Hoje, ela vai além dos 83 anos na Espanha, Suíça, Itália, Austrália e beira os 85 anos no Japão, o líder do ranking. A média global é de 72,6 anos.
Taxas de fertilidade
As taxas de fertilidade, ou seja, estimativa de quantos filhos uma mulher terá ao longo da vida também estão diminuindo. Isso tem uma implicação populacional relevante, pois há um número menor de jovens e os que existem sabem que vão viver por mais tempo.
Assim, diante de sistemas de Previdência cada vez mais frágeis, mesmo em nações desenvolvidas, vide a França, as pessoas gastam menos e poupam mais. Os juros, nesse contexto, tornam-se pífios.
Desigualdade
A desigualdade é apontada como outro fator estrutural das taxas. Em uma visão panorâmica, ela diminuiu nas últimas décadas. Em 1990, por exemplo, o coeficiente de Gini (medida de distribuição de renda em que 0 representa a igualdade e 1, a desigualdade máxima) era de 0,70. Hoje, está perto de 0,60. E o indicador tende a cair ainda mais à medida que a renda aumente na Ásia.
O problema é que a desigualdade dentro dos países avançou. Exemplo: o coeficiente de Gini passou de 0,35, em 1979, para cerca de 0,45, atualmente, nos Estados Unidos.
Mas o que a diferença entre ricos e pobres tem a ver com juros?
Se ela aumenta, a renda concentra-se nas camadas mais abastadas da população. Assim, o aumento da desigualdade eleva a poupança, o que, à semelhança de efeito da demografia, pressiona a taxa neutra de juros para baixo.
Produtividade
Outro flanco relevante é a produtividade. A lógica é a de que se o crescimento da produtividade for alto, as pessoas esperam que a economia avance e, portanto, escolherão um caminho de consumo e investimento, aumentando, assim, a taxa de juros real.
O problema é que, quando a produtividade vai mal, o consumo tende a diminuir, a economia enfraquece e os juros caem.
Demanda por ativos seguros
A lógica por trás dessa tese é a seguinte: quanto maior é o procura por esses papéis, seu preço aumenta, mas os juros que eles pagam diminuem.
Tecnologia
O permanente avanço tecnológico também poderia impactar na inflação. Visto de forma mais clara nos países avançados, a população tende a consumir tanto as ferramentas digitais disponíveis no mercado, quanto utilizar as facilidades do e-commerce.
Esses dois fatos estariam alimentando uma maior competição no mercado, o que reduziria ou manteria os preços estáveis. Assim, com a ausência da pressão inflacionária, os juros não sobem.
Margem de manobra dos Bancos Centrais
Os juros baixos, ainda assim, têm implicações específicas. Um delas é a menor margem de manobra que os bancos centrais (BCs) dispõem para interferir na economia por meio da política monetária.
De maneira geral, quando um mercado aquece além do recomendável, com desdobramentos sobre a inflação, os BCs aumentam as taxas para esfriá-los. Quando eles estão fracos, diminuem os juros para estimulá-los.
Dessa forma, com taxas perto de zero ou negativas, a ação torna-se pouco eficaz.
No cenário atual, a política monetária pode não apenas estar perdendo a eficiência, mas se tornando contraproducente. Em algumas situações, em vez de estimular o mercado, a queda de juros pode fazer com que as pessoas aumentem seu esforço para poupar.
Nesse caso, elas economizariam ainda mais para atingir seus objetivos.
E o que os juros no Brasil têm a ver com as taxas baixas dos países ricos?
Na verdade, esses fatores são mais domésticos do que externos.
Por um lado, temos como resultado a dinâmica positiva das contas públicas:
. Definição do teto de gastos;
. Aprovação da reforma da Previdência;
. Contenção dos empréstimos subsidiados.
Por outro, observa-se que com a economia retraída, em meio a uma recessão, fez com que o Banco Central tivesse espaço para pisar no acelerador e promover sucessivos cortes na Selic.
Aliás, há uma tendência de mais cortes nos próximos meses, a partir das reuniões do Copom, chegando a 4%. Espera-se, contudo, que a queda de juros tenha impacto positivo na atividade econômica.
Outros efeitos dos juros estarem em sua mínima histórica é a nova musculatura do mercado de ações, já que o Ibovespa tem acumulado recordes podendo chegar aos 130 mil pontos, ainda este ano. Além disso, o empreendedorismo tende a ganhar força.
A volta do crescimento passa pela retomada dos investimentos e essa, por sua vez, depende de perspectivas favoráveis no longo prazo.
Para o Brasil, seria importante um cenário global positivo, com a ampliação do comércio internacional, ao contrário do que presenciamos no momento.
Na próxima quarta (12/02), farei uma análise sobre o que rotulamos de Sociedade 4.0. O avanço de tecnologias disruptivas tem impactado cada vez mais os negócios, os governos e a vida das pessoas. Você está preparado para os desafios da transformação digital?
Thiago Goulart
Editor do Blog Valor Educação
Professor e jornalista pela PUC-SP com ênfase em economia, tendo atuado como repórter político na Câmara Municipal de São Paulo.
e-mail: tgoulart@valorinvestimentos.com.br