Você está viciado(a).
Sim, você não está 100% no controle.
E apesar desse vício ter chances reais de cura, o processo pode ser bem duro (principalmente se você for do tipo “que nada… eu estou bem”).
Então deixa eu te dizer uma coisa: NÃO LEIA ESSE TEXTO caso você não esteja realmente disposto a vencer esse vício e entender por que você pode acabar deixando dinheiro na mesa nos próximos anos.
E aí? Pronto(a)?
Então vamos lá…
O ano é 1990.
A partida já está 1×0 para a Argentina. Mueller recebe um lançamento de fora da área, ele bate de primeira e perde a última oportunidade de o Brasil avançar para as quartas de finais na copa do mundo.
Naquela época os canarinhos já eram tricampeões mundiais e sentiram o sabor amargo da eliminação.
E, a não ser que você considere uma partida de futebol como “um bando de homem correndo atrás de uma bola”, perder para os hermanos na copa não é nada agradável.
Mas apesar do aperto no peito sentido por boa parte dos brasileiros à época, nada se comparava ao aperto no bolso enfrentado por cada cidadão naquele ano com inflação de mais de 1.500%.
“A experiência cotidiana mais marcante da estabilidade a partir dali tem a ver com velocidade. A vida com a inflação era uma correria de múltiplas formas. Você precisava, rápido, receber seu salário e correr para o supermercado (…). O dinheiro que você pegava, você tinha que correr pro banco, entrar numa fila, suar na fila pra botar o dinheiro no overnight mais rápido possível (…). Tudo derrete. Então, a vida é uma correria na esteira. Você não sai do lugar e se você parar, você é devorado.”
Se você passou por isso na década de 90, deve concordar com o que disse Gustavo Franco (ex-presidente do Banco Central e integrante da equipe que formulou o plano real).
Eram tempos difíceis para os brasileiros.
E, assim como muitas situações dolorosas deixam marcas, a hiperinflação gerou traumas e vícios em todo o país.
Aswath Damodaran, professor de finanças da Stern School of Business (na Universidade de Nova York), disse em entrevista à Suno Research:
“A inflação deixa feridas profundas. Ou seja, a hiperinflação no Brasil foi em 1991, 92… vocês ainda estão se recuperando disso.”
Ele destaca que, em períodos de alta inflação, a renda fixa passa a ser uma solução lógica para proteção patrimonial:
“À medida que a inflação aumenta, as pessoas vão fazer depósitos em renda fixa […]. Isso é exatamente o que eu faria também com 50% de inflação. Eu não investiria em ações”
Apesar das empresas repassarem a elevação dos preços dos insumos para o valor de venda dos produtos finais, a inflação descontrolada provoca uma canalização dos recursos da população para a compra de itens básicos (como os alimentos), afetando outros setores e, consequentemente, a economia de modo geral.
Além disso, as pressões populares pela contenção da alta inflação direcionam a tomada de decisão do Governo no sentido de estabelecer o congelamento dos preços, o que consequentemente provoca a escassez na oferta de produtos.
Cenas de prateleiras vazias nos supermercados eram bastante comuns naquele período.
Nesse contexto, as empresas quebram, a população carece do básico e uma das formas mais efetivas de proteger o próprio patrimônio acaba sendo: investir em ativos atrelados à taxa de juros.
Mas como isso funciona na prática?
Diariamente milhões de brasileiros realizam saques e depósitos bancários. Com isso, ao final do dia, os bancos precisam emprestar dinheiro entre si de modo a manter a suas reservas compulsórias na proporção definida pelo Banco Central (Bacen).
Isso mesmo, os bancos devem deixar parte do dinheiro no Banco Central (nas chamadas reservas compulsórias) em uma alíquota pré-estabelecida por ele (ex.: 20% do total de depósitos).
Caso o Bacen queira expandir a oferta de crédito, ele reduz a alíquota do compulsório e os bancos passam a ter mais dinheiro para emprestar.
Com mais crédito no mercado, a taxa de juros cai, a dona Maria pega um empréstimo para comprar sua TV, o empresário financia a expansão da sua fábrica e a economia decola.
Mas nem tudo são flores…
Com mais Marias comprando TVs e empresários empregando mais pessoas, os preços sobem mais rápido e a inflação cresce.
Nesse momento, o Banco Central lança mão de políticas monetárias contracionistas (como o aumento da alíquota do compulsório), o que reduz a atividade econômica e, consequentemente, a inflação.
Pois é… é como tratar um câncer. O paciente é bombardeado com radiação ou é intoxicado com medicamento pesado para que células cancerígenas desapareçam.
Na prática, o Banco Central precisa desaquecer a economia (com todas as consequências ruins disso) para vencer a inflação.
Uma vez vencida, ele pode reaquecê-la, expandindo a oferta de crédito e por aí vai… (o sobe e desce de sempre).
Entre os tratamentos mais eficazes para proteger o país do mal da inflação está a influência do Bacen sobre a taxa SELIC.
E se você não está familiarizado, SELIC é o Sistema Especial de Liquidação e de Custódia. É só um nome estranho para um sistema utilizado pelos bancos para trocarem títulos públicos entre si.
Sabe o Tesouro Direto, onde você pode emprestar seu dinheiro para o Governo Federal e receber um juros por isso?
Pois é. Você compra um título público que te dá o direito de receber esses juros do Governo.
Os bancos também fazem isso e mais: eles emprestam esses títulos entre si como garantia pelo empréstimo de dinheiro feito entre eles (para manter o compulsório no final do dia, lembra?)
À taxa média das negociações de títulos públicos no sistema SELIC damos o nome de taxa SELIC.
E aí? Está conectando os pontos ou já tirou um cochilo?
Bem, se você ainda estiver comigo, agora vamos entender algo muito importante.
Como o Bacen influencia na taxa SELIC?
Muito simples: ele negocia títulos públicos com os bancos.
Caso queira aquecer a economia, o Bacen compra esses títulos, os bancos recebem o dinheiro, o emprestam no mercado, a oferta de crédito aumenta e a taxa SELIC cai.
Mas se quiser desaquecer a economia para controlar a inflação… (sim, você já entendeu).
Muito bem, então você percebeu que inflação e taxa de juros estão intimamente relacionadas?
Uma inflação mais alta força o Bacen a aumentar a taxa de juros, enquanto uma inflação mais branda abre espaço para o reaquecimento da economia com a redução da taxa SELIC.
E é aí que surge uma pergunta fundamental
Onde você prefere investir seu suado dinheiro quando a inflação está comendo solta?
Vou te dar duas alternativas:
- Na renda fixa pós-fixada, onde você é remunerado por uma taxa semelhante à SELIC (que tende a crescer junto com a inflação); ou
- Em ações de empresas cujo preço dos produtos vendidos foi congelado pelo Governo, apesar da alta crescente dos custos com insumos (sim, essa empresa deve quebrar antes que você termine de ler o relatório de um analista).
(Espero que tenha acertado essa).
Então, agora vem o grande paradoxo…
Embora a hiperinflação já tenha ficado para trás, por que raios os brasileiros são tão apegados à renda fixa?
Para você ter uma ideia, apesar de um crescimento acelerado nos últimos anos, a quantidade de investidores pessoa física na bolsa de valores ainda representa menos de 3% da população brasileira, contra mais de 50% nos Estados Unidos.
Então, sim, gostamos bastante de renda fixa. Mas por quê?
Bem, podemos dizer que ainda sofremos os efeitos da hiperinflação (como bem disse o professor Damodaran).
Limitar a gastança do governo, reduzir a dívida pública, mudar a mentalidade da população com relação a investimentos, fazer mudanças estruturais no sentido de reduzir as taxas de juros de maneira prolongada e desenvolver o setor privado leva tempo… bota tempo nisso.
Os efeitos da hiperinflação permanecem vivos na nossa geração e, com eles, o vício da renda fixa.
Sim. Essa não é uma boa notícia.
Mas meu papel aqui é ajudá-lo, com doses homeopáticas, a vencer esse vício para que você possa sair do básico.
Então continue comigo, porque no próximo artigo vou mostrá-lo(a) um novo mundo de oportunidades… muito além da renda fixa.
Te vejo lá!